O país e o mundo vivem um período de desequilíbrio social, causado pela pandemia viral que assola todas as pessoas e todos os sectores de todos os mercados. O fitness não é exceção e, se já tínhamos poucos praticantes de exercício físico recreativo em Portugal, agora piorou dramaticamente. Com as recomendações de quarentena apeladas pelas autoridades governamentais e de saúde, a maioria dos praticantes de exercício em ginásios e academias deixaram de os frequentar, muitos profissionais de saúde deixaram de trabalhar e os estabelecimentos de fitness fecharam – também como medida de mitigação da propagação viral. Com isto, os profissionais de exercício físico para a saúde – que são quase todos trabalhadores liberais – veem-se em circunstâncias precárias: deixam de ter acesso presencial a potenciais clientes; deixam de poder fornecer serviços com a qualidade habitual. Isto, porque os recursos são agora precários:
· Não é possível fazer avaliações físicas à mobilidade e força do praticante;
· Não é possível tocar no praticante para lhe dar indicações diversas;
· Não é possível recorrer a máquinas, cabos ou pesos livres de grande dimensão;
· Não é possível recorrer a ergómetros diversos;
· Os níveis motivacionais dos praticantes estão muito baixos - as pessoas estão com medo e, se já tinham grande apetência para o sedentarismo, agora mais ainda;
· O profissional não domina suficientemente os meios tecnológicos, ou mesmo sequer as redes sociais, para que o serviço virtual tenha qualidade.
Isto faz, naturalmente, os profissionais responderem com alternativas de acompanhamento de exercício à distância (virtuais), quer através de meios como partilhas de vídeos e artigos, quer diretos (Facebook e Instagram), visando não só a retenção dos seus atuais clientes (os poucos que ainda ficaram a praticar), bem como a captação de novos clientes para estes serviços remotos (não-presenciais) a fim colmatar a quebra de rendimento sofrido em poucos dias. No entanto, teremos aqui um problema adicional: nas circunstâncias sociais que vivemos, a sensibilidade moral dispara a pique! Com «sensibilidade moral» quero dizer o grau de atenção e exigência que os sujeitos de uma sociedade apresentam ao julgamento ético - nomeadamente à relação entre vendedor e comprador. Com a subida da sensibilidade moral, acredito que desça a disponibilidade que a sociedade em geral apresenta para receber bem uma tentativa de venda e para comprar bens ou serviços não-essenciais.
A sensibilidade moral é altíssima, e a disponibilidade de compra é baixíssima!
Ou seja, de um lado temos profissionais que precisam readaptar-se à realidade, porque precisarão de um modo alternativo de acompanhamento dos seus praticantes, e alguns praticantes (os ainda motivados e resilientes) receptivos a isso. Porém, os profissionais também precisarão de continuar a vender, mas os praticantes que estão permeáveis à venda serão muito poucos. Entretanto, em todas as redes sociais (nomeadamente no Youtube) os praticantes já teriam acesso (fácil) à avaliação e prescrição de exercício orientada à distância - ainda que mal orientada. Ou seja, os Treinadores - quer de grupo, quer particulares - encontrarão uma concorrência enorme em profissionais (ou meros leigos) que já são versados e bastante difundidos nas redes. Como consequência disto, impôem-se várias questões.
Como Comunicar?
Aqui, coloca-se em perspetiva uma dicotomia grande: o profissional precisa de vender - por isto, deveria comunicar venda de produtos nas suas redes sociais; entretanto, já fiz ver que a disponibilidade para a compra é desfavorável e, fruto da sensibilidade moral subir, até poderá nem ser bem recebida. Assim, a minha recomendação vai para que os profissionais comuniquem o mais possível com conteúdo útil à prática de exercício físico, mesmo para os praticantes que deixaram de lhe pagar. Não obstante, não poderá deixar de vender, portanto, terá de comunicar algum produto. Para conseguir um equilíbrio entre a necessidade de conteúdo para o praticante e a necessidade de vender para o profissional, recomendo que a comunicação seja alternada e nunca associada.
Mas, além de eu achar que as publicações de conteúdo devem ser separadas das de venda, acho ainda que o rácio deve desfavorecer a venda, isto é, partilhar mais (muito mais) conteúdo útil ao exercício e saúde do que venda - no limite: NEM PARTILHAR VENDA, e esperar (rezar?) para que o conteúdo partilhado suscite interesse em quem quer e pode pagar, e que compre sem que lhe tenha sido divulgada uma venda explícita. Quer por motivos éticos, quer técnicos e estratégicos, não recomendo que os esforços de comunicação sejam canalizados para a captação de novos clientes.
Não comuniquem conteúdo com venda, não mascarem uma compra com roupa de conselho.
Ainda assim, para os profissionais desesperados que querem, por desespero, fazer comunicações de produto, a minha segunda recomendação vai para que a venda não seja, de todo, feita de forma explícita, mas sim implícita. Mas, como poderei publicar uma comunicação de venda sem que seja explícita? Não será isto uma camuflagem de um conteúdo com roupa de venda? A resposta vai depender da forma como a venda é feita/comunicada. E deixo aqui algumas "regras" do que NÃO fazer na comunicação: não explicitar preço algum, pois que nesta fase será importante permitir uma adaptação do preçário às possibilidades de cada praticante - estejam dispostos a baixar o preço, porque, de facto, a qualidade do vosso serviço caiu deveras; não explicitar número de sessões, pacotes ou duração de sessão, porque tudo isto indica de imediato que estão a proporcionar um serviço já estruturado, e, também aqui, deverão adaptar às possibilidades do vosso praticante; não usar proposições de comando, isto é, palavras ou frases que indiquem ordem, tais como "compre agora", "treine comigo", "não perca", etc. - será preferível palavras ou frases que simplesmente caracterizem o serviço, tais como: "Treinos à Distância", "Acompanhamento Remoto", "Orientação Virtual", etc.
Não comunicar preço; Não comunicar periodicidade; Não comunicar comandos.
Contudo, a verdade é que a dificuldade de venda será frustrada, na esmagadora maioria dos casos. Por isto, todos os esforços de comunicação deverão, antes, incidir sobre a RETENÇÃO. E a retenção dos praticantes que um profissional já detém, é óbvio, deverá ter como forma a comunicação de conteúdo - conteúdo técnico e humano (especialmente humano, nesta fase difícil da humanidade).
O QUE COMUNICAR?
Conteúdo! A resposta é: CONTEÚDO! Que conteúdo? Aquele que melhor estão preparados para entregar: exercício e saúde! (Na verdade, sendo que a ameaça social é no âmbito da saúde, não haverá melhor altura, por todos os motivos, para o fazer desta forma). Agora, não podemos ser exigentes ao ponto de querer que os exercícios ou planos de treino sejam eximiamente bem construídos, nem querer que a evolução do praticante seja exaustivamente criteriosa. Não é tempo disto, porque os recursos logísticos e presenciais são diminutos, portanto, não é possível (mesmo!) manter níveis de individualização da construção e monitorização elevados.
Entretanto, é certo que sempre fui um fervoroso defensor da excelência nas práticas profissionais do fitness, e que isso sempre representou a máxima individualização avaliativa e prescritiva, usufruindo de todos os recursos de que dispomos. Mas, sempre defini excelência como sendo uma qualidade relativa – e nunca superlativa. Excelência é fazermos o melhor que nos é possível com os recursos disponíveis, até que nos seja possível ter melhores recursos para fazer melhor ainda. Ou seja, “quem faz o que pode, a mais não é obrigado”, diz a sabedoria popular – e aqui aplica-se bem. Assim sendo, afirmo que, mesmo nas circunstâncias sociais que se avizinham, é possível ser-se um excelente profissional do exercício (desde que se faça o melhor possível).
© João Luís Moscão, 2020
(Direitos de autor protegidos)
Comments