Criando uma nova visão acerca de um serviço importante ...
O Treino Personalizado é frequentemente considerado um luxo, sobretudo por quem nunca o experimentou. Assistimos a esta forma de pensar, impávidos e serenos, e muitas vezes até contribuindo com más práticas, reforçando assim o fraco valor que é atribuído a alguns de nós e posteriormente extrapolado para a generalidade de forma injusta. Fui recentemente, e novamente, confrontado com este “rótulo” o que me fez pensar que devo esclarecer a minha posição com o objetivo de ajudar a comunidade a compreender que o Treino Personalizado pode ser tanto um luxo quanto menor for a sua necessidade. Além disso, este “apelido luxuoso” vem conotado como uma falta de necessidade “conspurcado” com um fraco valor. Claro que pagar “muito” para obter pouco é algo acessível apenas a quem pode sustentar “luxos”. Contudo o problema começa precisamente numa falta de capacidade de distinção entre dois conceitos: preço/custo e valor.
Começo por ajudar o leitor a compreender a que me refiro. Preço/custo é o que nós pagamos por um produto ou serviço, ou seja, aquilo que entregamos para ter algo em troca. Por sua vez, valor diz respeito ao que permanece connosco após o serviço ou o consumo do produto em questão. Preço/custo é o que o cliente paga, valor é o que ele leva. Sem esta clara distinção corremos o risco de confundir o que é uma necessidade com o que é um luxo.
No dicionário da nossa língua materna podemos encontrar o significado da palavra luxo como: “qualquer bem ou objeto de custo elevado e que não é indispensável”. Ora, aqui está o ponto de rotura com o pressuposto de que não há necessidade para ter um PT. Nalguns casos isso pode ser real, noutros nem tanto. Dependerá dos objetivos, necessidades, nível de treino da pessoa, entre outros fatores. Mas, se a questão não for o facto de ser dispensável ou não, então analisemos a questão do custo elevado. E aqui, uma vez mais, julgo que seja claro que o conceito de “caro” ou “barato” dependerá da capacidade económica de cada um, tenha ele necessidade ou não. Assim, não me parece aceitável utilizar a nossa tão portuguesa falta de capacidade económica como barómetro do que podemos considerar dispensável ou não. Em bom português diria que “o rabo não tem nada a ver com as calças”. Estamos a comparar dois conceitos distintos: uma coisa é a minha capacidade financeira, outra coisa é a necessidade de um serviço.
Porém, compreendo e aceito que num país com um salário mínimo tão baixo, rendas e combustíveis tão altos e tão poucos incentivos tributários para com o exercício físico, fica muito difícil tornar o Treino Personalizado acessível a quem tem menos capacidade económica. Mas permita-me colocar uma questão: se o PT 2-3 vezes por semana durante alguns meses é caro, porque considera aceitável a fisioterapia 2-3 vezes por semana durante o mesmo tempo algo barato? É que o preço/custo é muitas vezes o mesmo! Porque consideramos “certo” tratar uma lesão, mas não tanto preveni-la ou recuperar/reforçar uma estrutura corporal como é possível através do treino? E aquela jantarada com os amigos em que 4 horas de ócio pagariam um mês inteiro no ginásio a treinar 2 ou mais vezes por semana?
Até mesmo na nossa classe profissional assistimos a esta demagogia e não raras vezes alguns PT’s afirmam que um curso é muito caro e trocam 7 fins de semana de evolução humana e intelectual para poderem melhorar o seu serviço – e consequentemente o valor – por uma semana num destino de praia, concertos e outros espetáculos ou eventos sociais, etc. Claro que saber mais, para que depois se possa cobrar mais, envolve tempo, custos, paciência e esforço que não está ao alcance de quem quer uma “boa vida” no sentido mais boémio do termo.
É, sem dúvida, uma questão de prioridades. Quando é preciso, canalizamos as nossas possibilidades para o que é necessário. Há fases de recuperação de doenças/lesões em que é necessário um médico ou um fisioterapeuta, e, em algumas dessas, nem vale a pena pensar em treinar, porque ainda não há capacidade funcional para tal. Noutras situações é possível começar ambos em simultâneo, nem que seja em partes diferentes do corpo e com abordagens distintas (p.e. treino com resistências dinâmico ou treino com resistência manual isométrica). No meu entendimento, a fisioterapia surge como primordial numa primeira fase de melhoria da estrutura para voltar a ter capacidade funcional, mas o treino é mais eficaz numa segunda fase de reforço e prevenção, e esta fase sim levará mais tempo e assume um papel mais duradouro e rotineiro. Ambas são importantes, embora cada uma seja mais eficaz em diferentes fases.
Mas atenção, nós PTs não precisamos de fazer os nossos clientes/alunos acreditar que dependem de nós para o resto da vida. Qual é o mal de lhes darmos autonomia e, ao longo do tempo ensiná-los a treinar e a serem capazes de fazerem um bom trabalho, personalizado (na medida do possível), que lhes leve de encontro aos seus objetivos e necessidades e com menos custos? Assim, sentem que não lhes extorquimos dinheiro, aconselham-nos a terceiros e, um dia, até nos abrem espaço na agenda para ajudarmos outras pessoas!
Com estudo e criticismo, com o nosso próprio trabalho, poderemos demonstrar o valor que temos, para assim eles compreenderem melhor o preço/custo que colocamos. Um dia, com maior autonomia, poderão treinar “sozinhos” nas salas de treino e vão falar bem de nós na mesma, porque tiveram o nosso melhor e compreendem o nosso valor.
© Afonso Franco, 2022
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