Durante anos a preocupação foi a estética e a performance, e agora? ...
Neste momento, o fitness, a nível mundial, vive um problema que deverá resolver de forma rápida e definitiva. O problema, que apresentarei de forma sucinta, e muito direta, não é novo, mas assume agora uma proporção central e majoritária no nosso sector, e está a afetar todos os ramos, desde as escolas de formação aos profissionais, passando pelas gestões de clubes de fitness: durante anos (muitos anos) a esmagadora maioria da comunicação para adesão e retenção a serviços de fitness foi com tónica na estética e na performance - incitando todos ao sonho do modelo físico ou do atleta campeão - e agora, que a economia está a ficar de rastos (como nunca antes visto), é claro, os nossos serviços não são vistos como primeira necessidade e são abandonados (de uma forma também nunca antes vista). O resultado? Muitos profissionais a desistir, muitos negócios a fechar e muitos gestores desesperados sem saber porque é que as medidas ótimistas do coaching não resultaram durante este estado crítico e de crise causada pelo novo coronavirus.
Atenção, leitor, se não concorda com o que acabei de escrever - isto é, se acha que está tudo bem, e que vai ficar tudo bem... se ainda partilha desse otimismo, então, não perca tempo com este artigo: mas não se queixe (apenas siga!). Aos que acham que algo poderá ser melhorado, eu apresentarei aqui alguns pontos de vista. Não apresentarei soluções, porque não é adequado promover soluções sem atender às particularidades de cada caso. Aliás, incorro em erro: apresentarei uma única solução (generalista, é certo, mas a única)...
O que se passa, afinal?
A realidade actual é, pelo menos no meu ver, bem clara: durante dezenas de anos o fitness teve como conteúdo de comunicação a estética e a performance - prometendo a escultura e o gladiador a quem, sedentário e carregado de debilidades, tomara sequer saber levantar-se do sofá - e, agora (agora... que se vê com dificuldades extremas em captar e reter clientes), quer fazer "lembrar" a toda a população que o exercício é "bom para o sistema imunitário", mensagem esta nunca antes propagada no nosso meio e que, por isso mesmo e dada a conjuntura descrita, assume contornos de oportunismo, por dois simples motivos: 1) a melhoria da imunidade decorrente do exercício não é aguda, é crónica, podendo a fadiga aguda não ser benéfica e, aliás, não se sabe o impacto da prática de exercício físico perante a patologia causada pelo novo coronavirus - ou seja, não sabemos mesmo o que estamos a recomendar; 2) há muitos anos que se defende a isenção de IVA sob o argumento de que o exercício faz bem à saúde, porém, o conteúdo de comunicação à população comum foi quase sempre estética e performance - ou seja, há uma evidente incoerência no propósito, no mínimo, e um aproveitamento comercial, no máximo.
A questão é que não temos dúvidas que o exercício físico bem programado é largamente benéfico para a saúde das populações, que o nosso sector merece a isenção de IVA e que, de facto, a esmagadora maioria dos casos mais críticos provocados por este vírus atingem essencialmente sedentários, obesos e pessoas com problemas cardiovasculares (muitos, quem sabe?, evitáveis pela prática regular de exercício físico em contexto de fitness). Mas, levanta-se uma incomodativa pergunta: se já sabíamos isto - se sempre soubemos destes benefícios (pelo que parece pelo conteúdo publicitário actual de diversas cadeias e ginásios, pois falam com tamanha obviedade) - porque raramente os publicitámos? Aliás, porque é que a estética (objetivo tão independente do profissional do exercício físico e associado a questões psicológicas e genéticas que não estão ao nosso alcance) sempre foi a tónica da comunicação fitnessiana? Porque é que a performance (objetivo tão desnecessário aos que não são desportistas, visto que as taxas de lesão em tais práticas não são baixas) tem sido nos últimos anos a bitola que rege a criação de serviços e métodos de treino?
São estes comportamentos publicitários, e que têm adjacente os respetivos investimentos financeiros de mercado, que me levam a crer que sim, sempre soubemos que o exercício faz bem à saúde - "soubemos", nós, profissionais - mas, entretanto, a comunicação ao consumidor, é levada a cabo por profissionais outros que, ainda que com formação de base no exercício físico, enveredaram pelo estudo da "arte" de fazer dinheiro com a dor do consumidor.
Ainda temos tempo?
Claro! E a estética ou a performance não têm de ser desassociadas do nosso sector - podem ser importantes em casos pontuais, e nós temos um papel sobre estes objetivos que, ainda que minoritário, pode ajudar de alguma forma. Apesar de, nesta fase que a civilização vive, ser muito improvável que a mensagem pegue, temos de começar já hoje, para que daqui a uns anos - quem sabe, debaixo de outra crise qualquer - não estejamos a lamentar-nos novamente sobre isto. Não temos de deixar de publicitar corpos bonitos e desempenhos desportivos exímios, mas seria importante dar lugar a imagens de pessoas comuns e desempenhos medianos, porque é com isso que a maioria dos humanos se identifica - repare, leitor, eu não disse que é isso que a maioria dos humanos almeja, porque o que cada um almeja pode ser (e é, tantas vezes) inalcançavel...
Com isto, defendo que as cadeias e ginásios devem publicitar MAIORITARIAMENTE serviços e promessas de saúde (apesar de com atraso e com uma mera intenção comercial por trás, de facto, é um conteúdo muito mais útil). E apelo para que não se cesse este comportamento marketeer assim que as finanças melhorem - que não voltem mais as promessas de escultura e de gladiador irrealistas. Defendo ainda que esta comunicação - as escolhas de conteúdos publicitários por parte dos profissionais comerciais - deva passar pelo crivo das evidências científicas publicadas. Creio que assim teremos um ingrediente central para a derradeira subida do número de participantes em atividades de exercício programado em contexto de fitness recreativo. E a aplicação desta medida será fácil: basta que os publicitários se munam do auxílio dos profissionais (que detém o conhecimento técnico e científico) para garantir que as mensagens são com base nas evidências válidas que existem publicadas acerca dos enormes benefícios da prática de exercício, quer a nível físico (metabólico e mecânico), quer psíquico e social.
Com tudo isto dito, qual é então a solução única que proponho? Direcionar a comunicação para o OUTRO LADO DO FITNESS, o lado bom e correto: PROMOVER SAÚDE. Comunicar os benefícios psico-socio-fisiológicos da prática regular e programada de exercício físico. Parece uma redundância, afinal, todos nós já sabíamos que o exercício físico poderia ter estes nobres objetivos... mas, infelizmente, parece que só agora nos lembrámos deles.
© João Moscão, 2020
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