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O MELHOR EXERCÍCIO

Atualizado: 14 de mai. de 2022

“Qual o melhor exercício para…?”

Quantas vezes já vimos esta questão em posts nas redes sociais ou no perfil de supostos entendidos (e profissionais) da área? Quantas vezes já procuramos ou fomos procurados com vista a saber “qual o melhor exercício para”? Se, por um lado, temos alunos que procuram a solução milagrosa, o verdadeiro “santo graal” dos exercícios, que lhes permitam atalhar a sua estadia no ginásio, perseguindo o sonho utópico de corpo perfeito (seja lá o que isso for) de forma fácil e rápida; por outro lado, alguns profissionais, ao perceber essa necessidade urgente e emergente, viram aí uma oportunidade de ouro para poderem utilizar tal ilusão como chamariz, de forma a serem notados e procurados, na ânsia de aumentarem os seus lucros pessoais.


Vamos então procurar perceber quais são esses “melhores exercícios”, mas, de forma a podermos escrutinar tal questão, teremos de a considerar sob duas perspetivas:


1. O que torna um exercício no melhor exercício?

2. Esse exercício será o melhor para quem?


Antes de mais, importa desde já referir que toda a abordagem daqui para a frente recorre essencialmente a evidências biomecânicas (de forma a manter o artigo o mais claro e sucinto possível), da mesma forma que não pretende ser uma crítica a qualquer exercício, mas somente uma análise de como realmente são (e não como porventura se gostaria que fossem).


De ressalvar ainda que não devemos confundir “o melhor exercício” com “o exercício que permite movimentar cargas mais elevadas”, na medida que são dois conceitos distintos. Sendo assim, já começamos a perceber que isto do “melhor exercício” não será uma questão tão linear quanto, muitas vezes, se quer fazer parecer.

1. Porquê o melhor exercício?

Fisiologia Muscular: perfil de força


Antes de abordarmos o tema acima referido, importa primeiro recordar que, em termos fisiológicos, a capacidade do sistema neuromusculoarticular (NMA) produzir força varia ao longo da amplitude de movimento (ADM); assim, temos uma menor capacidade contráctil nos extremos do movimento (ou seja, quer o músculo esteja razoavelmente alongado ou encurtado), sendo a zona intermédia ótima para produzir força (6, 7) (fig. 1).


Fig. 1: Variação da Força Muscular ao longo da ADM de uma articulação


Uma explicação simples e que porventura a maioria de nós aprendeu em ciências, resume-se ao facto do número de pontes cruzadas entre os filamentos de actina e miosina ser menor nos extremos de alongamento (devido ao número diminuído de possibilidades de acoplamento) e encurtamento (pela sobreposição dos miofilamentos) (6, 7) (fig. 2).

Fig. 2: Relação da sobreposição dos miofilamentos de Actina (mais finos) e Miosina (mais grossos) em posição de alongamento (à esquerda), a meio da ADM (ao centro) e em encurtamento (à direita)

Assim, o objetivo de qualquer exercício deverá passar por adequar o seu perfil de resistência (PR) ao perfil de força fisiológico, ou seja, o braço de momento da resistência (BMr) (definido como sendo a distância perpendicular entre a linha de força da resistência e o eixo de rotação) deverá ser menor nos extremos da amplitude muscular e maior a meio da mesma.

Temos ainda outros fatores (mecânicos e neurais) a ter em conta para esta variação da capacidade contráctil, mas fiquemos pelos conceitos acima descritos como um cenário que sirva de pano de fundo à análise dos exercícios supracitados.

De forma a poder ser mais claro, vou partir da análise de dois exercícios que são, comummente, sinónimo de “os melhores para”: agachamento e supino.

Agachamento


Analisando o seu PR quanto à variação do BMr, partimos de uma posição inicial com os segmentos alinhados (BMr terá o valor de zero nas articulações do joelho e anca, o que representa ausência de exercício nas articulações em causa) e, ao longo do movimento, vamos fletindo ambas as articulações (fazendo aumentar o BMr). Assim, verificamos um aumento do BMr no extremo do alongamento, quando este já deveria estar a diminuir; já no encurtamento, o BMr tende para zero, pois era a posição inicial referida. Numa tentativa de acertar o PR no encurtamento, pode ser dada a indicação para não alinhar os segmentos. Contudo, se nesta alternativa olharmos para cada articulação de forma individual, verificamos que, ao nível do joelho, realmente o PR fica mais adequado (pois, ao não estender completamente o joelho, o BMr já não fica anulado); mas para a anca piora-o, ou melhor, limita-o ainda mais (uma vez que o seu limite de extensão fica, porventura, para além do alinhar longitudinal do fémur com a anca).

Supino


À semelhança do agachamento, também aqui temos um PR desadequado, onde o BMr aumenta no alongamento e vai diminuindo ao longo do encurtamento para ambas as articulações (quando deveria estar a aumentar, pelo menos para o grande peitoral). E porquê que ainda deveria estar a aumentar? Porque, pela própria natureza do equipamento utilizado (barra), as mãos não se conseguem aproximar uma da outra, ou seja, o final do movimento não corresponde ao encurtamento máximo agonista – podemos mesmo considerar que apenas realizamos apenas cerca de metade (ou até menos) do movimento (fig. 3). Ora, a quem defende o supino como “o melhor exercício para o peitoral”, impõe-se a questão: se o percurso espacial por ele realizado fica tanto aquém da ADM total que o complexo articular do ombro lhe permite, o título de “melhor exercício”, não será um pouco presunçoso?


Fig. 3: análise à ADM dos adutores horizontais do ombro no supino

Assim, quem prescreve os movimentos descritos, terá de tomar uma decisão: que parte do movimento quererá realmente treinar de forma mais intensa, pois, ao ajustar a carga para a zona inferior do movimento (para garantir que os agonistas se consigam opor à carga), estará a desajustar/desaproveitar a restante ADM, já de si limitada pela própria execução (especialmente, como vimos, no supino). Por outro lado, caso pretenda adequar a carga à fase de encurtamento, poderá revelar-se um risco (até mesmo desnecessário) para a restante ADM do exercício.


De uma forma ou de outra, mais uma vez ressalvo que esta não é uma crítica aos exercícios em si (estes são o que são), mas sim à sua suposta (e imposta) superioridade.

2. Para quem?


Chegamos então ao segundo ponto da nossa análise – para “quem” são prescritos estes denominados “melhores exercícios”? Vamos atalhar para passar este ponto de vista de forma simples, clara e concisa.


A variabilidade inter e intra-individual (entre indivíduos e dentro do mesmo indivíduo, respetivamente) está bem documentada, sendo que as estruturas ósseas poderão ter tamanhos, orientações, disposições e/ou formatos distintos (1- 5, 8).

Temos ainda fatores clínicos (chamemos-lhes assim), desde escolioses, hérnias, conflitos ósseos, tendinites até à hipertensão, diabetes e outros tantos quanto a nossa memória, estudo e/ou anos de prática nos tem vindo a revelar. Ora, naturalmente que toda esta variabilidade irá resultar em movimentos, amplitudes, conflitos e/ou mecânicas também distintos(as).


(NOTA: para aprofundar o conhecimento acerca das questões de variabilidade inter e intra individual, aconselho vivamente a formação “Postura: abordagem multidimensional” ministrada pelo professor convidado REP José Afonso)


Mas vamos ainda aos aspetos mais simples e lógicos, onde podemos considerar que cada pessoa não seja a mesma de dia para dia. O nosso cliente dormiu bem? Alimentou-se bem? Hidratou-se bem? Como está o seu trabalho em termos de impacto físico, psíquico ou emocional? Como está a sua vida pessoal nesses mesmos itens? Aquela dor incomodativa voltou? Ou tem outra? Ontem bateu com o pé, durante a lida da casa, e ainda dói? O bebé acordou durante a noite e teve de o colocar a dormir consigo e acabou por “dormir todo torto”? O dia de hoje foi calmo ou agitado? O treino está a ser realizado à hora habitual ou diferente? Está calor? Está frio? O treino está a ser realizado no interior ou no exterior? E nunca mais iríamos sair daqui.

Depois disto, poderemos continuar a pensar que ainda existe “o melhor exercício para”? O maior problema, como poderão verificar, não está no exercício em si (os que abordei têm as suas falhas, mas todos os têm; o que não impede que tenham as suas valências, obviamente), mas sim no facto de, se considerarmos um qualquer exercício como “o melhor”, então estaremos a retirar da equação o seu elemento mais fundamental e com o qual trabalhamos diariamente: o seu executante. Se não atendermos às suas particularidades, então qual o sentido em aplicar qualquer tipo de estímulo? Porque continuamos, após todos estes anos, a querer forçar os nossos alunos a encaixarem-se nos exercícios já pré-concebidos, em vez de se adaptarem os exercícios a eles? Não seria este um caminho mais sensato?


Sendo assim, a resposta para “qual o melhor exercício?” não mais poderá ser do que: DEPENDE! Depende da pessoa, de como é, de como está, dos objetivos, das necessidades, enfim, simplesmente depende!


Sim, é um post fraco nas redes sociais. Não irão ter muitos “gostos”, mas, pelo menos, não irão manchar o bom nome que a nossa profissão merece e tantos profissionais (incluindo vocês, que estão a ler este artigo) se dedicam a elevar.


Posto isto, penso que poderei até ter uma resposta para “qual o melhor exercício?”, ou melhor, tenho duas guidelines:

Aos praticantes:


Fujam de quem vos quer vender a ideia de que “fazendo este(s) exercício(s) irá obter tudo o que deseja para si”. Não confiem em quem vos tente vender um serviço Personal e depois o(a) considerem apenas “mais um(a)”.

Aos Personal Trainers:


Continuem a fazer o que sabem: estudar e abordar cada cliente como o fazem: de forma Única, Particularizada e Adequada!

©David Costa, Professor REP - Blog REP, 2020

Direitos de autor reservados


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Bibliografia

1. Bergman, R.: Bergman’s comprehensive encyclopedia of human anatomic variation. John Wiley & Sons, 2016.

2. Edelson G. Variations in the retroversion of the humeral head. J Shoulder Elbow Surg. 1999;8(2):142-145.

3. Fathi M, Cheah PS, Ahmad U, et al. Anatomic Variation in Morphometry of Human Coracoid Process among Asian Population. Biomed Res Int. 2017;2017:6307019.

4. Hochreiter B, Hess S, Moser L, Hirschmann MT, Amsler F, Behrend H. Healthy knees have a highly variable patellofemoral alignment: a systematic review [published correction appears in Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2019 Sep 13;:]. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2020;28(2):398-406.

5. Hochreiter B, Moser LB, Hess S, Hirschmann MT, Amsler F, Behrend H. Osteoarthritic knees have a highly variable patellofemoral alignment: a systematic review [published online ahead of print, 2020 Mar 12]. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2020.

6. Levangie, P.; Norkin, C.: Joint structure and function: a comprehensive analysis. F.A. Davis Company, 2011.

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