Neste artigo irei bem direto ao assunto, não tomarei muito tempo ao leitor. Apresentarei 3 habituais paradigmas comerciais do fitness e irei demonstrar como estão equivocados. Tratam-se de 3 formas de ver e pensar o mercado (bem habituais e estruturantes) e que servem de mote a praticamente todas as recomendações no contexto de venda, adesão, retenção, etc., que servem de conteúdo para alimentar os mais variados profissionais de fitness que encorpam os mais variados postos de trabalho neste sector.
O foco das equipas de fitness deve ser comercial, porque o conhecimento técnico é basal, mas a venda é determinante.
A retenção está essencialmente associada à experiência do praticante, e a experiência do praticante está essencialmente associada à relação do treinador com o mesmo.
A venda deve ser exercida em torno das necessidades que o cliente nos expressa, e a experiência de treino deverá ir ao encontro das expectativas do mesmo.
Estas 3 ideias são estruturantes no nosso sector, nomeadamente no contexto comercial, e teimam em acreditar que todo o sector é comercial, deixando ainda por explicar porque, então, mantemos os mesmos 4-6% de praticantes passados mais de 15 anos de luta. Porém, não podiam estar mais longe da realidade, e passarei a explicar porquê.
O FOCO DAS EQUIPAS
Tipicamente, o foco de um coordenador de equipa de PT é na vertente comercial. Depois, o estímulo que dá às equipas coloca virtualmente todos os seus profissionais exclusivamente focados no processo comercial. Esta não é, de todo, a minha posição. Porque, apesar de podermos considerar que o fitness é um negócio de relações entre pessoas (a famosa máxima "um negócio de pessoas, para pessoas") e que a sua subsistência depende também do comércio, o problema surge no momento em que os lideres das equipas inculcam nas cabeças dos profissionais que a vertente técnica é basal, sim, mas a relação pessoal com o cliente é determinante. Pois eu considero o contrário: a relação é que é basal, e a técnica determinante. E, aqui, o cariz potencialmente “salvador” ou “lesivo” da prática de exercício atesta com clareza esta posição - há até estados patológicos que são mais característicos de quem pratica exercício, e as taxas de lesão em algumas modalidades de fitness são altas (demasiado altas). Além disto, é mais fácil ensinar habilidades técnicas do que relacionais, estas, tão intimamente ligadas aos traços de personalidade de um adulto.
Portanto, será mais proveitoso contratar boas pessoas - e boas comunicadoras - e depois sim, moldar-lhes lenta e consistentemente os conhecimentos técnicos, do que o contrário. A inversão deste paradigma - que é o hábito na maioria das gestões fitnessianas - acarretará mais custos ao nível de recursos, quer financeiros, quer humanos, para levar a equipa ao sucesso. E apenas será um "sucesso" numérico, financeiro, e nunca "pessoal" - afinal, dizem que "é um negócio de pessoas para pessoas", mas, bem marcado nos seus discursos está sempre outra máxima: "no final do dia, o que conta é o lucro". Ora, não se entende... é que o lucro conta - e deve contar, muito! - mas não tem de valer mais que as pessoas, nem tão pouco valer à custa das pessoas.
A SUBSTÂNCIA DA EXPERIÊNCIA
Começo por não concordar que a retenção deva estar essencialmente associada à experiência do utilizador. Se assim fosse, não seria sequer preciso estabelecer objetivos a longo prazo - coisa que os gestores fazem em barda, e até estimulam os seus colaboradores a tal idealismo ("onde queres estar daqui a 5 anos?" é a pergunta ridícula da ordem do dia, durante as entrevistas de trabalho). Aliás, nem seria justo, visto que a maior parte dos benefícios decorrentes do exercício são crónicos e não agudos - pior que isto: na janela temporal aguda o exercício provoca maioritariamente sentimentos de sofrimento. Contudo, devo concordar que é importante que a retenção leve em linha de conta a experiência do utilizador, porém, jamais "essencialmente" - se ele puder escolher entre ter uma boa experiência, ou alcançar a desejada perda de peso, creio que será óbvia a resposta. Por outro lado, ainda discordo que essa experiência esteja ancorada à relação social com o cliente – se assim fosse, não se explicariam as enormes oscilações de adesão e retenção documentadas com a variação da prescrição de treino, em contextos onde não há sequer relação relevante com o cliente (os estudos científicos), uma vez que os rácios de supervisão treinador-praticante são muito baixos nestes estudos - quando sequer mencionados.
Portanto, visto que as adaptações desejáveis, quer pelo treinador, quer pelo cliente (e as que este habitualmente espera são mesmo as mais difíceis de alcançar), são crónicas, e visto que este sinuoso percurso depende (muito) da colaboração por parte do cliente (cooperação com o treino, alimentação e descanso), e sendo que a prescrição, por si só, pode influenciar (muito) a adesão e retenção do praticante, não me parece significativamente relevante que questões pessoais devam ser predominantes na relação com o cliente. A experiência deve conter relação social/pessoal, sim, mas o mínimo indispensável para que haja um mínimo indispensável de empatia (e porque isso também nos dá informações sobre o cliente), mas deve ser abundante em relação técnica: a socialização entre treinador e cliente deve incidir fundamental e maioritariamente sobre assuntos que relacionam o cliente com a sua faceta de praticante - com o seu corpo, com o exercício. Caso contrário, ele não coopera, e, se não coopera, não atinge os objetivos - e que retenção há em pagar para não atingir nada? (A resposta é óbvia...)
O QUE REALMENTE NECESSITAM
Sobre este tema, no meu entender, não devemos definir as necessidades do cliente como sendo aquilo que ele acha que precisa, ou quer porque acha que precisa, ou sequer os motivos subjacentes às suas expectativas. Até porque é uma definição assente quase exclusivamente na relação comercial/pessoal com o mesmo. Pelo contrário, devemos entender que as necessidades prendem-se essencialmente no campo inconsciente e só são descobertas com processos criteriosos e muito hábeis de avaliação motora (e não falo dos protocolos conhecidos e sobejamente difundidos, porque, esses, demonstram-se insuficientes). Logo, as necessidades do cliente têm de ser descobertas no corpo do mesmo, porque é esse o alvo da relação comercial (do negócio), e é aí (e só aí) que se geram adaptações neuro-endócrinas capazes de acentuar comportamentos de adesão e retenção.
Portanto, uma vez que o que é pretendido é gerar o prazer de treinar e de ir, aos poucos, caminhando no sentido de um objetivo concreto, sim, mas realista e que traga préstimo à saúde do cliente, não creio haver grande margem para fugir às necessidades do cliente, mas aquelas que ele nem sabia que tinha, porque não tem conhecimento nem habilidades para as testar em si próprio.
POR FIM...
Finalizo com um resumo do que são os 3 ideais que considero realmente nobres e que, estes sim, mantêm o cliente no centro do processo, valorizam e credibilizam a nossa profissão:
O foco das equipas de fitness deve ser técnico, porque, apesar da venda ser um útil instrumento de finalização, o conhecimento técnico é determinante.
A retenção está apenas em parte associada à experiência do praticante, e a experiência do praticante está inteiramente indexada à relação técnica do treinador com o mesmo.
A venda deve ser exercida em torno das necessidades reais que o corpo do cliente manifesta durante a avaliação de mobilidade, e a experiência de treino deverá ir ao encontro do que é a realidade dos processos de treino.
© João Moscão, 2021
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