Retirando os Técnicos de Exercício da ignorância coletiva
O último Barómetro do Fitness em Portugal, publicado pela Portugal Activo - Associação de Clubes de Fitness e Saúde (antiga AGAP), um importante documento que expressa o estado comercial e financeiro do sector do fitness em Portugal ao longo do ano transacto, foi publicado em Agosto deste ano, com os tão esperados dados relativos ao fatídico ano pandémico de 2020. A manifestação de um ano terrivelmente mal passado para o Fitness, com resultados obviamente negativos, seria de esperar. O que não seria de esperar é o silêncio dos que se fazem inocentes, por apenas imputarem culpas ao vírus COVID-19, sacudindo a água do capote como se nada fosse: o setor passou ao lado deste documento, que é sempre tão badalado todos os anos desde a sua criação, pois que expressou tradicionalmente melhorias consideráveis (ainda que lentas...), como se recalcasse o que ali vem escrito, como se fechar os olhos - e fechar os olhos aos que representam a mão de obra profissional (os Técnicos de Exercício Físico - TEF) - ajudasse, de alguma forma, a tornar o futuro do Fitness um pouco mais risonho.
De facto, da Portugal Activo, além do lançamento do próprio documento no website e da eventual divulgação dos dados junto desses mesmos empresários no seu anual congresso (ocorrido em Outubro), parece-nos nada mais ter feito para divulgar estes importantes dados junto dos profissionai - a dilvulação é muito mais do que somente a disponibilização. Entretanto, tive a oportunidade de colocar os olhos no citado documento - foi-me facultado por um dos empresários associados - e não poderia ficar mais incomodado, mais preocupado, mais frustrado.
Quais os resultados?
Alguns resultados são alarmantes e bem característicos de um sector em dificuldades económicas: a taxa de atrito (razão entre número total anual de cancelamentos a dividir pela média de clientes nesse ano) subiu de 60% (2019) para 98% (2020); a taxa de retenção, por sua vez na casa dos 2%, representa uma descida de cerca de 38%; cerca de 27% dos clubes encerraram, perdendo também cerca de 23% do universo de praticantes e vendo-se obrigados a reduzir a mensalidade média em cerca de 20%, o que gerou uma redução de 42% na faturação anual do sector, cerca de 15% de desemprego – em particular em cerca de 19% nos TEF. No final, temos uma taxa de penetração de 4,8%, que representa uma redução de quase 2%, relativamente a 2019, e que é ainda inferior à de 2018, fazendo-nos recuar, no mínimo, 3 anos numa tendência, ainda que ligeira, de melhoria de quase todos estes marcadores.
Que quer isto dizer?
Em conclusão, temos um fitness-inho, que murchou numa fase do dia em que havia Sol - eu esclareço a analogia: o Fitness para a Saúde (patente na própria designação da referida associação) passou dois anos de grande preocupação da sociedade (da civilização!) com precisamente esse factor - a Saúde própria e a pública - e não conseguiu travar o fracasso financeiro, porque continuou SEMPRE a publicitar "o melhor corpo" e "a melhor performance". Mas, não quero insinuar que teria sido uma oportunidade de crescer, nada disso... estou apenas a insinuar que não seria suposto, dada a natureza real do impacto já comprovado do exercício físico na Saúde Humana, que as facções comerciais e financeiras desta trincheira perdessem a guerra, falhando na venda de alimento a esfomeados, ao equivocamente lhes tentar vender que a comida é "bonita", em vez de "nutritiva". Perdoe-me o leitor as constantes analogias: os vendedores e os diretores das unidades de Fitness não conseguem vender aquilo que as pessoas procuram neste momento, que é melhor Saúde, apesar do produto que têm em mãos ser comprovadamente útil para esse mesmo efeito.
De qualquer forma, a tal obrigação de divulgação destes dados não deve ser imputada somente à Portugal Activo, até porque existem 2 associações de TEF em Portugal, ambas em silêncio público desde o mesmíssimo início da pandemia por COVID-19, e uma tal associação dos chamados "fisiologistas do exercício" (uma figura jurídica, dizem..., que ainda nem figura jurídica é, pois que não existe legislação alguma em Portugal que lhe faça menção). Em suma? Uma associação de ginásios, que não divulgou suficientemente os resultados, e 3 associações de profissionais, que já estavam calados antes. O resultado? uma classe profissional que, apesar de bem sábia acerca do que lhe aconteceu individualmente (não me chegam os dedos das mãos e dos pés para contar os colegas que passam uma vida literalmente miserável), está ignorante do que lhe sucedeu coletivamente - enquanto classe.
Mas não me faço de Bom Samaritano, ou de O Salvador Da Pátria, não! Somente resolvi escrever este breve artigo para esclarecer, em poucas linhas, o resultado do dito Barómetro do Fitness em Portugal 2020, e para manifestar duas coisas: primeiro, que ignorar os males não os torna mais benévolos, talvez antes pelo contrário, enquanto não os conhecermos, não os encaramos, e enquanto não os encaramos não os resolvemos ou atenuamos - aqui, ignorar o estado coletivo do sector promove a "despreparação" e perpetua o atraso; segundo, que o Fitness do futuro, que vinha a ser tão prometido por muitos dos nossos "profetas" (ou os ditos "lideres de opinião"), o Fitness tecnológico, adaptativo, para todos, o mercado-negócio-da-china, etc... essa versão "melhorada", afinal, é um atraso de cerca de 3 a 5 anos, um Fitness 2.0, sim, mas que é um downgrade.
Por fim...
E agora, que a dificuldade comercial e de gestão foi desvelada, continuaremos a vender estética e alto-rendimento até quando? (até que outras classes, bem mais facilmente relacionadas com a Saúde - Fisioterapeutas, Médicos - alberguem o nosso sector como um pequeno ramo do seu?). Proponho, também em poucas linhas, que os Profissionais se unam, se cultivem, se eduquem, que estudem e garantam que num tempo futuro muito breve o sector possa garantir resultados reais de inequívoca melhoria de Saúde pública e uma diminuição considerável das taxas de lesão em modalidades associadas com o nosso sector. Sem isto, teremos apenas alguma sorte quando nos procurarem para o "corpo de verão que nunca se alcança" e para a "preparação para o jogo de domingo à noite de solteiros contra casados".
Obrigado pela vossa atenção!
© João C. Moscão, 2021
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