Hoje escrevo sobre um assunto que me preocupa muito: a formação no sector profissional do fitness para a saúde. Refiro-me às características essenciais que as demais entidades formativas criam, desenvolvem e vendem aos futuros técnicos de exercício fisico (TEF) ou aos que já estão no mercado - no regime de formação contínua. Neste sentido, começo por caracterizar o panorama nacional de formação profissional como sendo "bom"... e pode parecer estranha esta afirmação, como introdução a um artigo onde me proponho a dissertar sobre o que são as medidas de excelência no âmbito da educação para TEF. Assim, começo por diferenciar os conceitos "bom" e "excelente".
A excelência é um assunto muito debatido nas áreas da sociologia, e, certamente, na filosofia (no ramo da filosofia, o debate acerca do que é excelente já dura mais de 2500 anos, digamos, desde Aristóteles!). Há divergências, claro, entre definições, mas há algo que é claramente transversal a todos os pensadores que dissertaram sobre a excelência: não é "bom", ou seja, "bom" é menos que excelente. Com isto, portanto, afirmei acima que o panorama nacional de formação para TEF está aquém do desejado/esperado/requerido. (E, ao argumento de defesa que justifica a precariedade com o facto de haver países onde está ainda pior, respondo que a excelência não tem referencial exterior, mas sim interior - ou, como diria a minha avó: "com o mal dos outros posso eu bem" - os outros estarem pior não é argumento que suporte nós não querermos melhorar.) Assim, ponto assente, a melhoria deverá acontecer.
Um pouco de história:
Muito resumidamente, para Aristóteles, a excelência seria um comportamento associado à "virtude", e era a realização do nosso melhor possível; era cultivada pelo nosso intelecto (a nossa distinta capacidade pensante) em dois níveis: o raciocínio teorético - onde se desenvolve a virtude intelectual (digamos, a nossa relação com a realidade); o raciocínio prático - onde se desenvolve a virtude moral (digamos, a nossa relação com a sociedade). Aristóteles defendeu que a virtude intelectual tem como instrumento o pensamento crítico, ao passo que a virtude moral tem como instrumento a prudência (o caminho do meio, como diriam as religiões budistas). Ora, com isto fica claro que o filósofo jamais concordaria com um ensino desprovido de contacto humano, com pouco pensamento crítico, desprovido de criatividade e sem documentação de apoio (jamais!).
Mas, porque abordei eu Aristóteles? Porque é um dos grandes percursores daquilo que hoje chamamos "instituições de ensino" (a par com o seu mestre Platão, fundaram as duas primeiras escolas formais de ensino da história). Assim, que fique bem claro: a fundação do ensino formal é crítica, por natureza e teve origem numa disciplina cada vez mais esquecida: ÉTICA. A ética, de forma muito prática, é o estudo dos critérios que servem para que um ato seja considerado de excelência. Logo, este artigo é sobre ética - sobre a ética das entidades formativas no sector do fitness.
O bom e o excelente:
De volta à modernidade, devo introduzir este parágrafo com uma citação do filósofo brasileiro Mário Cortella que versa assim: «a vida já é curta, mas não tem necessariamente que ser pequena». Aqui está patente o pensamento instaurado por Aristóteles e, muito resumidamente, o que Cortella nos adverte é que não fazer o nosso melhor torna a vida precária. Ou seja, o facto de a vida ser "curta" relaciona-a com o tempo (factor inevitável), mas o facto de a tornarmos "pequena" relaciona-a com a qualidade (factor que está nas nossas mãos). E que tem isto a ver com a entidades formadoras, que se tratam de instituições ou empresas? Cortella é um dos principais responsáveis por levar a filosofia antiga para o ramo do empreendorismo brasileiro - filosofia básica, entenda-se, mas prática (que é o que nos interessa aqui...) Mas, afinal, o que é a excelência? De forma muito simples, Cortella define-a como sendo o ato de «fazer o meu melhor, com as condições que tenho, enquanto não tenho condições para fazer melhor ainda». (Pare um pouco de ler, caro leitor, e pense bem na frase anterior - pergunte-se: seria possível, para mim, fazer melhor ainda? porque não faço? que valores pessoais se impõem?)
De volta à formação:
Sendo que a profissão de TEF é uma profissão nobre, deveras (e cada vez mais) importante na sociedade moderna - talvez dela dependa o futuro da saúde pública; sendo ainda que não existem praticantes iguais e a função de particularização é necessária - independentemente de se tratar de um treinador particular ou de grupo; e sendo também que a mestria da avaliação, adaptação e gestão do processo de treino do praticante requer conhecimento multidisciplinar e crítico; fica claro que se trata de uma profissão que carece formação de excelência. Ora, segundo a definição que já dei deste conceito, não se entende por "excelência" ações de formação que, de forma insuficiente, 1) privilegiem o isolamento do aluno (através das modalidades não-presenciais, isto é, online), 2) privilegiem o acompanhamento generalista e não-particularizado ao aluno (através de turmas demasiado grandes), 3) ofereçam conteúdos pouco criativos e pouco exclusivos (através de ofertas do tipo mais-do-mesmo), e 4) privilegiem documentação digital (obrigando o aluno a um modo precário de tirada de notas e a ser ele a imprimir os seus próprios manuais).
O que é formação de excelência:
Antes de mais, é importante que a entidade seja Certificada DGERT, pois isto significa uma garantia de qualidade perante o Sistema Nacional de Qualificações, ou seja, uma entidade formadora certificada DGERT passou por uma série de requisitos mínimos, restritivos, para que o seu processo educativo esteja regulamentado e dentro do que se considera, hoje em dia, ser uma formação de excelência no que respeita às questões estruturais e organizacionais da entidade. Depois, naturalmente, é útil que a entidade tenha todos os seus cursos homologados pelo IPDJ, de forma a poder providenciar créditos de formação contínua aos seus alunos TEF. Agora apresentarei 4 medidas - não são as únicas, mas são as que cabem num artigo de opinião - que considero serem importantes para que o aluno TEF perceba o que é uma formação de excelência. E, à luz da definição breve que dei deste conceito, e no âmbito da formação profissional contínua, as entidades formadoras têm o dever ético de fazer o melhor que é possível a uma empresa.
1) PRESENCIAL:
Sendo que todos os humanos são animais sociais, comunitários, e que vivemos num país com somente 560 km de norte a sul, e somente 215 km de oeste a este - com uma densidade populacional baixa -, não há necessidade relevante de formações virtuais, que, entenda-se, não são más por isso, mas não são consideradas de excelência, de todo. O contacto humano, nomeadamente entre o professor e o aluno deve ser privilegiado, não só porque a virtude moral é cultivada em sociedade, mas também porque isso dá oportunidade ao aluno de colocar questões e induzir o professor a ajudá-lo de forma privilegiada, isto é, presencialmente. Além disso, a modalidade virtual de educação apenas enfatiza a virtude intelectual, o que já é "bom", claro, mas não chega para ser excelente. Para haver excelência formativa, há que cultivar igualmente a virtude moral, e isto só se consegue no hábito da relação humana presencial - porque aquilo a que chamamos "redes sociais" têm ainda muito de "rede", mas muito pouco de "social".
2) DIDÁTICO:
Aqui impõe-se alguma prudência na ambição, porque sempre que a primeira motivação é facturar e lucrar, então, a qualidade formativa pode ficar severamente prejudicada. A facturação e o lucro são motivações importantes, sim, mas consequentes: primeiro, há que entregar qualidade; segundo, cobra-se por isso (e o contrário, desvirtua o processo - retira-lhe excelência). Neste sentido, também não serão consideradas ações de formação de excelência todas as que tenham razões de professor-aluno deveras baixas. E, neste campo, o mais comum são turmas enormes (20 a 30 alunos) a serem educadas e geridas por apenas 1 professor. Esta medida é muito importante, porque até podem tratar-se de formações "boas", mas a excelência depende do aluno poder usufruir de um acompanhamento individualizado, uma vez que todos têm necessidades distintas de aprendizagem, precisam de exemplificações diferentes, precisam que se recorra momentaneamente a métodos específicos de ensino - e aqui tem de haver uma abordagem andragógica (ensino para adultos), em vez de pedagógica (ensino para crianças), porque em turmas grandes não há oportunidade para incluir a experiência que o aluno (um adulto já formado) traz com ele e que, com isso mesmo, até pode ser ele o agente enriquecedor da formação. Assim sendo, entidades que privilegiem ações de formação "a granel" e que quase enchem anfiteatros, até poderão ser "boas", mas não serão excelentes, de todo!
3) EXCLUSIVO:
Esta questão prende-se muito mais com a ética interna, da empresa, do que propriamente com a relação entre a entidade e o aluno, mas influencia toda a cadeia de educação. Aqui, a proposta é de que todas as entidades formadoras no sector do fitness deverão empreender o maior esforço possível para serem criativas (ainda que baseadas na filosofia e na ciência do exercício), originais (evitando a replicação exaustiva de conteúdos) e dirigidas (escolhendo uma ideologia central e propriamente característica). Qual a importância que isto tem para o aluno? Ao dia de hoje, existem cerca de 15 entidades formadoras na área do fitness em Portugal - todas certificadas DGERT e homologadas IPDJ; entretanto, seria de esperar que os conteúdos e os cursos fossem muito diversificados, mas não: com excepção do que acontece em 3 ou 4 entidades (nas quais orgulhosamente para mim se incluí a REP Exercise Institute, onde actualmente desenvolvemos conteúdos e cursos exclusivos REP), a maior percentagem de conteúdos e cursos é replicada pelos mesmos 4 ou 5 temas. Isto significa que o consumidor - neste caso o TEF que procura formação contínua - é frequentemente apanhado no meio de "fogo cruzado" onde, em vez da oferta diferenciadora entre escolas, há concorrência "agressiva". Assim, todos os anos se injectam dezenas de cursos similares, com pequenas nuances nos títulos e nos rótulos, apanhando o aluno sempre na mesma "teia" de mais-do-mesmo. Esta atitude empresarial só gera desinteresse. Não quero com isto dizer que não possa haver formações "boas" que sejam replicadas de forma similar entre escolas mas, certamente, não são de excelência. O ser humano, os professores fundamentalmente, ainda que baseados em conceitos anteriores a si, têm de ter a capacidade de criar conteúdos exclusivos para as suas escolas assumirem uma posição característica, evitando desta forma que o aluno sobre-valorize o marketing em detrimento do conteúdo educativo. Geralmente, uma formação dirigida e exclusiva dessa entidade significa que há pesquisa e pensamento crítico envolvido no âmbito interno da entidade formadora.
4) MATERIAL:
Pode uma formação ser boa, mesmo que a documentação de apoio seja enviada por via digital para que seja ele a decidir como quer gerir - obrigando-o a imprimir os manuais por sua conta? Pode! Pode ser "boa", mas EXCELENTE? Não! Mas, aqui começo por salientar que a justificação (típica) de que se trata de uma medida ambiental, geralmente não é sincera: a maior parte das entidades que adoptam este princípio fazem-no para justificar ao aluno uma redução de custos - se fosse uma medida unicamente ambiental as entidades aproveitariam para reduzir o preço das formações, uma vez que a via digital poupa à empresa milhares de euros anualmente (mas, apesar do ambientalismo, a ambição não segue o mesmo critério). Podem os humanos usar papel da forma mais nobre que existe, que é a transmissão de conhecimento, sem que isso afete o ambiente? Podem. E não, o consumo de papel não é o mais gravoso para o meio ambiente, pense antes na quantidade de plástico que vai para o oceano, sempre que troca de telemóvel ou tablet a cada ano (ou menos). Ou seja, o consumo de documentação em papel diminui, muito provavelmente, o consumo de componentes digitais feitos de plástico. Custa mais dinheiro à empresa de formação? sim, mas quem poupa na qualidade só vai ter formações "boas"...
Como procurar uma formação de excelência?
Escolher formações que ocorram em regime totalmente presencial.
Procurar saber qual o número máximo de alunos que será praticado nessa formação, sendo que o limite deveria ser 20 alunos por turma, e, caso os temas sejam complexos na sua relação teórico-prática, o limite deverá ser entre os 12 e os 15 alunos por turma.
Recomenda-se que o aluno procure entidades formadoras e cursos que sejam originais e exclusivos dessa entidade.
Recomenda-se que o aluno procure saber se os manuais de apoio serão entregues em formato material.
Nota final:
Caso nenhuma destas 4 medidas estejam presentes na entidade ou ação de formação, assumindo que será de qualidade, no máximo, somente "boa", deverá o aluno equacionar bem se o preço pedido é coerente... agora, fica à consideração e bom senso de cada um, mas, EXCELÊNCIA é o melhor possível, não só "bom".
© João C. Moscão, 2019
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