Breve informação sobre os resultados do último Barómetro de Fitness
Caro leitor,
Li recentemente o último documento com os dados mais concretos do nosso sector - o Barómetro de Fitness (2022) - publicado há poucos meses, e fiquei com sabor agri-doce. E, por saber que este documento não chega a muita gente, aqui resumo o que me "salta à vista"...
Por um lado, há expressas melhorias na taxa de penetração, que manifesta já valores pré-COVID. Ou seja, a população ativa em ginásios subiu já para perto dos 7%. Ótimas notícias! Por outro, a taxa de cancelamento está nos 75% e é a MAIS ALTA DE SEMPRE (a segunda mais alta foi em 2018 com 65%), sendo a taxa de retenção 25% e é a MAIS BAIXA DE SEMPRE (em 2018 com 35%). E, note-se, o preço médio das mensalidades está praticamente igual, subindo apenas 1% ao ano.
... mas, estes valores não são lineares ao longo da tipologia de unidades, pois os clubes com PIOR retenção e MAIOR taxa de cancelamento são os do tipo LOW-COST que, curiosamente, também são os que apresentam uma razão sócio/instrutor maior (mais sócios por instrutor, logo, menos possibilidade de acompanhamento) - precisamente o contrário do que se passa com os de tipologia MID-MARKET e PREMIUM!
Ainda assim, é de notar que nestes últimos segmentos, apesar dos números serem os melhores do mercado (retenção a rondar os 47%), em relação ao ano anterior, o MID-MARKET diminuiu cerca 5 pontos percentuais e o PREMIUM perdeu 12 pontos percentuais - mas ainda há mais: neste segmento "premium" as taxas de retenção vêm a descer desde 2017, tento já caído um total de 20 pontos percentuais.
A juntar a tudo isto, e o mais preocupante: apesar do número de ginásios ter estabilizado, o número de profissionais desceu 6% de 2021 para 2022 - no total, desde o início da pandemia, já perdemos 25% dos profissionais (UM QUARTO!)
Desta vez, nao vou tecer grandes comentários pessoais. Apenas quero dizer que acho os dados deveras preocupantes porque manifestam uma cada vez pior capacidade de entregar um bom serviço ao utente português... (e não acredito que se deva à formação de base, nem tão pouco a lacuna alguma nos estatutos legais, portanto, essa batalha é inteira perda de energia).
ONDE ESTÁ O FITNESS?
Como se observa bem, aqui temos uma das principais razões para a tão reduzida % de praticantes de exercício físico no nosso país (cerca de 7% apenas). É que, apesar de Portugal ter mais cidades além da capital, o negócio está alicerçado em Lisboa, com 36% do total de unidades. Isto significa que a capital tem mais clubes do que o somatório das 3 seguintes cidades (Porto + Leiria + Braga = 29%).
Entretanto, só estas 4 cidades somam 65%, o que significa MUITO MAIS do que todo o "resto" do país. E devo um especial comentário sobre Braga, que foi muito badalada em 2018, por ter sido Capital Europeia do Desporto, e que todos os marketeers fitnessianos muito propagaram a mensagem de que seria um bom investimento para novas unidades de fitness. Pois bem, Braga mantém a percentagem praticamente inalterada há 4 anos e ainda tem MENOS que em 2016.
Este é um dos problemas, o medo dos investidores abrirem em localidades "menos centrais", digamos. Porém, o argumento até é justificado, dizem, porque "fora das grandes cidades praticamente não há profissionais" - resta saber o que nasceu primeiro, se o ovo, se a galinha: então, nas localidades “menos centrais” não há ginásios porque não há profissionais, ou não há profissionais porque não há ginásios? O que deve surgir primeiro, o trabalho ou o trabalhador?
Entretanto, poderá o leitor estar a achar que o gráfico acima é uma obviedade, e apenas consequência da densidade populacional. Só que não é, e asso a explicar: Setúbal, Aveiro e Faro são o 3º, 5º e 6º distritos com mais população (INE, 2023), mas ocupam APENAS o meio da tabela dos distritos com mais unidades de fitness - aliás Setúbal tem até mais população do que Braga e Leira, que no gráfico ocupam posição superior. Querem outra? Braga tem quase o DOBRO da população de Leiria, mas tem quase METADE das unidade de fitness...
De facto, há necessidades grandes no interior do país, necessidade de abertura de unidades de fitness. Pois, as regiões menos ativas são as que estão longe do centro (INSA, 2015). E, com efeito, a região do país com mais unidade de fitness, também tem um melhor índice de saúde: Lisboa e Vale do Tejo é a região de Portugal com MENOR prevalência de obesidade (IAN-AF, 2016). O seu comentário foi interessante, mas não tem grande relevância.
RELAÇÃO SATISFAÇÃO/PREÇO
O gráfico acima mostra a justaposicionamento das desistências (clientes que cancelam a inscrição do ginásio) com o preço médio praticado (mensalidade), de onde posso observar o seguinte: O histórico não suporta a ideia de que o problema das desistências seja o preço ser alto, e, assim, também não suporta a ideia de que é necessário isentar os ginásios de IVA para baixar os preços. Ora vejamos: em 2018 e 2019 foram praticados os preços mais altos de sempre, e tivemos as menores % de desistências de sempre; em 2020, o pior ano de afetação negativa pela COVID-19, praticámos o nosso preço MAIS BAIXO de sempre, e tivemos mais cancelamentos que nunca - também muito provocado pela obrigatoriedade de fecho imposta aos ginásios; por fim, já a sair da pandemia (sem esta desculpa!), no ano de 2022 praticamos a mensalidade mais alta dos últimos 3 anos, mas... obtivemos a % de desistência mais alta de sempre (se não contarmos com o ano de "desculpas" - 2020).
A guerra de preços não é vantajosa. A guerra de preços impulsiona o mercado para baixo. O problema do praticante não é falta de dinheiro para o Fitness, é o Fitness não ser visto como primeira necessidade - e, neste âmbito, a mudança não é no preço: é na QUALIDADE!
QUEM São os profissionais de fitness?
Como se observa nos gráficos (calculados a partir de Ramos e col., 2021), a idade média dos profissionais de fitness ronda os 30 anos, sendo que, na generalidade, não ultrapassa os 37. E os anos de experiência não são poucos, pois em média, os profissionais apresenta entre os 3 e os 15 anos de experiência (9 de média). A meu ver, isto significa que, apesar de idade relativamente jovem dos profissionais, não se tratam propriamente de novatos (claro que haverão novatos! mas não são a maioria). Entretanto...
A conclusão anterior, ao ser comparada com o facto de QUASE UM TERÇO dos profissionais terem outra profissão - e juntando aqui outro dado: faturam em média entre os 632€ e os 843€ - poderei supor aqui alguma causalidade, isto é, a actual dificuldade em auferir um rendimento mais avultado, faz muitos profissionais derivarem para outros sectores laborais (como mostra o gráfico do meio) ou a verem-se obrigados a somar mais locais de trabalho dentro do próprio fitness (que se nota no gráfico da direita, onde cerca de 40% dos profissionais trabalham EM 3 OU MAIS UNIDADES. Ambos os fenómenos poderão condicionar deveras a qualidade do serviço prestado.
NOTA: por favor, não assumam as críticas como sendo ao sector patronal, porque é possível que parte do problema aqui seja por desinteresse do profissional em abraçar unicamente a área do fitness.
A PERDA DE PROFISSIONAIS e CONTRATOS!
Agora, apresento dois gráficos. À esquerda, a quantidade de profissionais TÉCNICOS ("instrutores") a trabalhar no sector do fitness em 2018 e 2022; à direita, a percentagem de trabalhadores contratados para os quadros da empresa.
Infelizmente, os gráficos podem estar associados. Por um lado, é evidente uma perda acentuadissima do número de instrutores em apenas 4 anos - MENOS 3800, representativo de uma perda de -25%. E, note-se o seguinte detalhe: anualmente entram várias dezenas de profissionais novos no sector (vindos de licenciatura ou cursos técnico-profissionais), o que significa que a perda terá sido bem maior! Podemos conjeturar os motivos, mas é difícil certezas... ainda assim, de certeza que não sairam porque haja fácil captação de clientes (no caso dos freelancers a recibo verde), nem porque as condições de trabalho sejam boas (no caso dos contratados para os quadros das empresas).
Entretanto, há uma coisa muito notável que poderá estar associada ao gráfico da direita: no que toca aos instrutores freelancers (a recibo verde), que actualmente são cerca de APENAS METADE dos profissionais de fitness, o ordenado médio desta malta situa-se entre os 632€ e os 843€, o que é muito pouco para quem trabalha, no geral, das 7:00 às 21:00 - e que não se recorra ao argumento de que muitos têm outras profissões, porque cerca de 70% trabalha exclusivamente no Fitness (Ramos e col., 2021). E é curioso, no mínimo, notar que as gestões preferem oferecer contratos de trabalho a rececionistas, comerciais e manutenção... DO QUE A TÉCNICOS (não que os primeiros não mereçam, mas porque os segundos também merecem - será porque pedem aquilo que realmente é proporcional à responsabilidade das suas funções?)
Mas, mesmo que os gráficos não possam ser associados, e que julguemos, por exemplo, que são os técnicos que recusam serem contratados, e até mesmo que assumamos que os valores dos recibos verdes declarados não representam, de facto, a remuneração auferida (muito recibo que fica por passar...), há algo que nos deve incomodar muito: PORTUGAL PRECISA DE FAZER EXERCÍCIO, E O NÚMERO DE PROFISSIONAIS ESTÁ A DIMINUIR!
QUANTO GANHAM (realmente) os profissionais?
Com base num estudo recente (Ramos e col. 2021), com dados recolhidos pré-COVID (o que significa que hoje-em-dia talvez seja bem pior ainda), feita a cerca de 500 profissionais de fitness de TODOS os distritos de Portugal, constatamos os seguintes resultados - e que não se ache que uma amostra de 500 é pouco, porque num universo de apenas pouco mais de 9000 profissionais, 500 é estatisticamente MUITO REPRESENTATIVO.
Sobre a remuneração média dos profissionais, porque parece um valor médio reduzido, há que esclarecer que, além de ser um número resultado de um estudo credível, ainda acrescento que apenas 31% ganha acima dos 1000€, apenas 12% ganha acima dos 1700€ e que a percentagem de profissionais a ganhar mais de 3000€ é de apenas 3%.
A juntar a este dado, o mesmo estudo esclarece que os profissionais trabalham, em média 9 horas por dia durante a semana, e ao fim-de-semana ainda acumulam mais cerca de outras 4 horas - no total, cerca de 50 horas semanais! (e...sim! este estudo contempla Personal Trainers freelancers, talvez sejam esses os que melhor ganham, mas são uma minoria, como o gráfico mostra).
Só mais uma coisa, o estudo apurou que a grande maioria É SOLTEIRA e NÃO TEM FILHOS! E, pelo andar das coisas, não se vislumbram casamentos nem filhotes, menos de 1000€ ...
Entretanto, caso o leitor esteja a achar que o problema vivido pelos TEF seja, contudo, um problema global, nacional, português... saliento que não, o problema dos TEF é mais grave que o geralmente vivido em Portugal, repare: os TEF recebem, em média, menos 28% que a média dos portugueses (1025€), trabalhando em média mais 25% das horas semanais que a média dos portugueses (40h).
SERVIÇO NO FITNESS
Bem, estou quase a terminar, e esta análise é uma das mais importantes de todas: apresento-vos o trio da análise de serviço (com base nos dados de que dispomos).
À vossa esquerda, a magnitude do acompanhamento técnico, calculada a partir da razão de número médio de clientes por cada instrutor de fitness - é claro que esta métrica não traduz a qualidade técnica, em si mesma, mas a possibilidade de acompanhamento, pois responde à pergunta "quantos clientes tem a unidade por cada instrutor?". Aqui, é claríssima a diferença: os clubes individuais e/ou premium apresentam uma razão de 100 clientes por instrutor, isto é, os técnicos representam 1% da relação interpessoal afeta ao serviço técnico; ‼já as unidade lowcost e/ou grandes cadeias, apresentam em média 250 clientes para 1 instrutor, isto é, os técnicos representam 0,4% da relação interpessoal.
Isto significa que há tipologias de unidade de fitness que, por terem mais pessoal técnico, conseguem ofertar uma maior possibilidade de acompanhamento. E porque é isto muito relevante?
Coincidentemente (ou não!) as unidades com mais acompanhamento são também aquelas em que o cliente TREINA EM MÉDIA MAIS VEZES por semana, expresso pelo gráfico ao centro (frequência), onde se nota que nas unidade individuais/premium os clientes treinam mais que 2x por semana (2.5). Entretanto, sabemos que a frequência semanal se associa cientificamente à taxa de retenção: apesar de não ser linear, quanto maior a frequência, maior a retenção (IHRSA, 2018). E, com efeito, as unidades com maior acompanhamento são TAMBÉM as que apresentam (esmagadoramente) MAIORES TAXAS DE RETENÇÃO (quase nos 50%). Já as cadeias e/ou lowcost, muito provavelmente fruto um menor acompanhamento, apresentam uma FREQUÊNCIA DE TREINO MENOR e, coincidentemente, PIOR RETENÇÃO TAMBÉM.
Em suma, AS UNIDADES QUE APOSTAM NUM MAIOR ACOMPANHAMENTO por parte de técnicos, TÊM MELHOR RETENÇÃO de clientes. (parabéns aos gestores corajosos!)
© João C. Moscão, 2023
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