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Foto do escritorAfonso Franco

Enxaquecas e o exercício.

Atualizado: 10 de nov. de 2019

A enxaqueca [1] é um dos tipos de cefaleias (entenda-se “dores de cabeça”) mais frequentes, que afetam a qualidade de vida a vários níveis. Pode manifestar-se de 20 formas diferentes e é considerada uma cefaleia primária intermitente, pois alterna períodos de dor aguda com períodos assintomáticos. Esta doença pode iniciar entre os 15 e os 40 anos de idade em ambos géneros, porém, parece haver uma correlação positiva com o ciclo reprodutivo feminino, o que justifica o facto de após a adolescência ser 2 a 3 vezes mais frequente no sexo feminino.


A origem da dor justifica-se em 3 aspetos: excitação ou depressão de células nervosas, dilatação de artérias, e libertação de substâncias químicas. Algumas pessoas conseguem identificar factores que podem iniciar uma enxaqueca, e como tal devem comunicar ao Personal Trainer (PT) de forma a evitar algumas posições ou exercícios mais incómodos. Felizmente, hoje beneficiamos de uma enorme variedade de materiais que nos permitem exercitar os músculos pretendidos, de várias formas distintas. Como tal, o exercício é recomendado como tratamento não farmacológico em pessoas com enxaqueca [2]. Ora, neste âmbito, importa compreender o efeito do exercício físico no organismo, no que concerne às estruturas envolvidas na enxaqueca.


O exercício físico tem influência direta em várias estruturas, muito mais além do que aquilo que habitualmente consideramos. Os músculos são hoje entendidos como um segundo sistema endócrino que produz substâncias que interagem com outras células do organismo, mediando as reações químicas e consequentemente o comportamento de outras células. Assim, os receptores celulares opioides ficam bloqueados à passagem de alguns neurotransmissores. Ou seja, alguns nociceptores ficam inibidos e, por isso, a excitabilidade aferente dos mecanismos de percepção de dor até ao SNC diminuiu [3]. Assim, o exercício poderá até ser uma estratégia de diminuição da dor durante uma crise.


Num estudo realizado na Dinamarca [4], com 70 indivíduos, foi aplicado um protocolo de exercício de 3 meses em que os participantes realizavam 2 treinos de força (peso corporal e pesos livres em ginásio) e 2 treinos de cardio (andar de bicicleta ou a pé). A duração do treino variou entre os 30 e 45 minutos, sendo que as intensidade eram moderadas, em que os indivíduos conseguiram proferir frases curtas. Verificou-se, então, que o exercício físico:

  • Diminuiu a frequência das crises;

  • Diminuiu a intensidade da dor;

  • Diminuiu a duração das crises.

Mas, atenção! O exercício não deverá ser realizado de forma arbitrária, sobretudo no que à sua intensidade diz respeito. Numa revisão a 44 estudos publicada em 2018 por Amin et al., é salientado que o exercício pode desencadear a enxaqueca em indivíduos diagnosticados com a mesma. Isto poderá acontecer durante e após o treino e pode estar relacionado com o aumento natural de pressão arterial durante o exercício, aumento da hipocretina (um neurotransmissor responsável pelo estado de vigília no hipotálamo) e até o aumento de lactato no cérebro. Ainda assim, tendo em conta os custos poupados e os imensos benefícios do exercício, em comparação com alguns efeitos colaterais, que podem ser parcialmente controlados pelo PT, o exercício físico é recomendado numa intervenção multidisciplinar. Aliás, Han Le, et al. [5], reforçam o papel social da prática de exercício. Além disto, indivíduos que sofrem destas dores, tendem geralmente a evitar várias atividades que lhes davam prazer com receio de ter uma crise e, consequentemente, desenvolvem depressões.


Sendo que não há cura para esta enfermidade, importa identificar as situações que potenciam este evento doloroso, e procurar evitá-las. O exercício tem um efeito profilático que permite atenuar os efeitos da enxaqueca. Neste sentido, é importante encontrar o tipo de exercício adequado a cada pessoa, um que não potencie crises dolorosas, mantendo os benefícios para a sua saúde em geral. Treinos de 30 minutos com percepção subjectiva de esforço moderada e recuperações longas entre os períodos de exercício, poderá ser uma abordagem coerente numa fase inicial. As caminhadas ou andar de bicicleta, podem ser exercícios cardiovasculares de intensidade progressiva, mas não deveremos descurar as vantagens do treino de força, propriamente dito, desde que adequado ao nível de cada praticante.


© Afonso Franco, 2019


Referências:


[2] Silberstein SD. Considerations for management of migraine symptoms in the primary care setting. Postgrad Med 2016; 128: 523–537.

[3] Appel, Camilla, et al. “Decitabine Attenuates Nociceptive Behavior in a Murine Model of Bone Cancer Pain.” November 2018, Copenhagen.

[4] Lotte Kroll, et al. “The effects of aerobic exercise for persons with migraine and co-existing tension-type headache and neck pain. A randomized, controlled, clinical trial.” Cephalalgia, Dec. 2017.

[5] Han Le, et al. Association between Migraine, Lifestyle and Socioeconomic Factors: a Population-Based Cross-Sectional Study. vol. 12, Journal Headache Pain, 2011, pp. 157–172, Association between Migraine, Lifestyle and Socioeconomic Factors: a Population-Based Cross-Sectional Study.

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