Na maioria dos métodos vigentes no fitness - nas diversas abordagens metodológicas - o exercício é frequentemente confundido com MOVIMENTO. Sempre que qualquer praticante se move ao som de uma qualquer música do lado de dentro de um torniquete, é considerado exercício; ou, desde que esteja a mover-se com um haltere na mão, a imitar um movimento animal qualquer, é considerado exercício. Aliás, desde há vários anos para cá que o chavão é o "mexe-te!!" quando deveria antes ser "mexe-te bem". Ou seja, esta doutrina parte do princípio que o movimento funcional - que gera mais benefícios para a saúde - está indexado à variável movimento (e lá irei... mas não é necessariamente verdade).
Entretanto, começo por dizer que o movimento, por si só, NÃO É EXERCÍCIO, por dois motivos: 1) se fosse, os exercício isométricos não seriam sequer exercícios; e 2) o exercício requer a interação do CORPO com uma RESISTÊNCIA, de forma a configurar um "jogo" de forças internas versus externas, ou também não é exercício. (A neurologia é uma resposta à física, sim, mas a física não são só movimentos - acima de tudo são FORÇAS.) Além disto, esta doutrina do "mexe-te" - que está associada ao funcional - tem sido contra-producente em algumas circunstâncias, e apresento alguns factos que comprovam que a centralização do exercício somente na noção de movimento é errónea:
1) As mais recentes tendências de mercado, ao trazerem o uso e abuso de métodos com peso livre e movimentos amplos e a velocidades elevadas, sem interesse ou responsabilidade pelo perfil de resistência ou, sequer, pela qualidade geral das forças que lhes estão inerentes, trouxeram as taxas de lesão atrás, que agora vão dos 25% aos 75% [4].
2) O frequente recurso a movimentos em exercícios com plataformas instáveis, debaixo da infundada premissa de que irá melhorar a propriocepção e o equilíbrio [5] poderá, igualmente, aumentar o risco de lesão [6].
3) Ao longo dos últimos anos verifica-se um decréscimo no recurso às máquinas guiadas que, também infundadamente, são acusadas de não serem "funcionais" (apesar de nem haver sequer consenso científico sobre a definição de "funcional"). E isto, apesar de serem consideradas por alguns autores o instrumento com menor risco de lesão [7].
4) Por fim, devo sublinhar que, contas feitas às recomendações do ACSM, juntando o cardio-força-alongamento, os praticantes são incentivados a passar cerca de 200 a 300 minutos/semana dentro de um Health Club [8] (número totalmente irrealista para os dias que correm). Tais recomendações, além de estarem infundadas [9], não são precisas, uma vez que similares ganhos de condição física e saúde conseguem-se com doses bem menores [10].
O que é "funcional"?
Tentado perceber de onde nasce esta visão incompleta, denoto que a definição habitual do que é um exercício funcional poderá estar na origem deste equívoco. Neste sentido, o principal argumento que tenta definir o que é um exercício funcional é a relação entre a tarefa objetivo e o movimento do próprio exercício de treino.
O princípio por trás deste argumento é o da especificidade – os efeitos derivados de um programa de exercício são específicos para os exercícios executados. Admite-se, por exemplo, que o humano raramente desempenha movimentos mono-articulares no seu dia-a-dia e em tarefas desportivas. Logo, o treino ótimo para que tais tarefas diárias sejam executadas com melhor desempenho – treino funcional – seria com exercícios poli-articulares, por exemplo. Este pressuposto é originado por uma limitada interpretação do princípio da especificidade, pois assume que a especificidade do exercício, face ao seu objetivo final, esteja somente dependente da variável movimento. Neste caso, os exercícios isométricos (sem movimento), como já expliquei, não seriam funcionais – contudo constam da lista de exercícios ditos funcionais de diversos métodos de treino funcional.
Desta forma, o argumento da especificidade com base no movimento é incoerente, pois não se aplica de forma reprodutível a todos os tipos de exercícios. De qualquer forma, é importante salientar que os exercícios mono-articulares (muitas vezes ditos “isolados”) não existem sequer, e poderão ter benefícios funcionais (como qualquer outro exercício), como já tenho demonstrado noutros artigos de opinião [1]. Concordo que o exercício deve ser específico, sim, mas não necessariamente (ou somente) na variável movimento, há que contabilizar os planos e eixos articulares a receber resistência rotacional, os músculos agonistas e antagonistas envolvidos no controlo do desafio objetivo, e o nível de esforço e a duração comportados durante a sua execução. Mas, que diz a ciência disto?
Primeiro começo por referir que os exercícios isométricos produzem uma relação ótima no movimento, ou seja, o treino sem movimento pode produzir efeitos positivos quando o indivíduo se move [2] – refiro ainda que, quanto mais longos forem os tempos de duração das contrações isométricas do alongamento do tipo PNF, maior e mais durável é o seu efeito na amplitude dinâmica de movimento [3]. Portanto, o movimento é somente uma das componentes de transferência, a considerar nos potenciais efeitos de otimização de qualquer exercício.
Assim, apesar dos exercícios com movimento similar à atividade objetivada serem funcionais na otimização de tais tarefas, os exercícios em máquinas, mesmo que com menor similaridade de movimento, também detém um determinado grau de transferência positiva [11], por serem similares noutros factores – tais como a contração muscular e amplitude de movimento usadas em músculos e articulações individualmente, mas que estão a ser coordenados em simultâneo. Por exemplo, para desenvolver a capacidade de salto, nada melhor do que saltar. Porém, não querendo correr o risco de que o excesso de volume de saltos gere problemas articulares a longo prazo, os exercícios com resistência sem salto tornam-se muito úteis e permitem obter ganhos sem a sobrecarga nas articulações que deriva do impacto nas quedas. Numa recente revisão, Suchomel e col. (2016) discutem a influência da força nos vários factores associados ao desempenho atlético, bem como os benefícios de atingir elevados níveis de força, deixando bem claras as conclusões de tão vasta revisão:
«A força muscular está fortemente correlacionada com melhor salto, sprint, mudanças de direção e o desempenho desporto-específico (...) é recomendado que os atletas procurem tornar-se o mais fortes possível dentro do contexto do seu desporto e evento (...) a vasta maioria da literatura suporta a noção de que atletas mais fortes demonstrem taxas de desenvolvimento de força e potência mecânica externa superiores e que, subsequentemente, saltem mais alto, corram mais rápido, executem as mudanças de direção mais rápido (...) os cientistas e técnicos do desporto podem concluir que talvez não haja substituto para o aumento da força, no que toca ao vasto número de atributos que estão relacionados com a melhoria do desempenho individual, ao longo de uma grande variedade de habilidades gerais ou desporto-específicas, enquanto reduz simultaneamente o risco de lesão durante a execução de tais habilidades.» [12]
Nota final:
Antes de mais, é importante eu referir que a doutrina do "mexe-te" consegue ser um potente - e útil - instrumento para a captação de clientes e para gerar engajamento da população em atividades de fitness. Afinal, ser sedentário é muito pior que treinar, mesmo com um plano de treino menos adequado. (É preferível treinar menos bem, do que não treinar de todo!) Até aqui, eu estou de acordo em que se mantenham as políticas promocionais que tentam simplificar a adesão da população ao exercício físico. Agora, antes de mais, o fitness tem de parecer de facto seguro para que as profissões pares, e a sociedade em geral, o veja com bons olhos; e, depois, deixarmos de pensar o fitness somente do ponto de vista de quem já está retido, e começarmos a pensar mais com os olhos de quem ainda não faz nada.
«Fazer exercício não faz, necessariamente, bem! Fazer o exercício bem é que faz bem.»
© João C. Moscão, 2020
[2] Kofotolis, 2006 e 2008; Bimson e col., 2017.
[3] Rowlands e col. 2003; Sharman e col. 2006. [4] Hak, 2014; Weisenthal, 2014; Hopkins, 2017; Mehrab, 2017; Montalvo, 2017; Claudino, 2018. [5] Fisher, 2011; Behm, 2015. [6] Wirth, 2016. [7] Fisher, 2011; Carpinelli, 2017.
[8] ACSM, 2018. [9] Smith, 2004; Carpinelli, 2004; Otto, 2006; Bruce-Low, 2007; Carpinelli, 2009; Fisher, 2011. [10] Grgic, 2017; Steele, 2017.
[11] Lesinski e col., 2015.
[12] Suchomel e col., 2016.
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