Desde há muito que o alongamento é considerado um método importante de preparação para o treino, prevenção lesões musculares e ganho de amplitude de movimento. De facto, o alongamento é ainda uma das atividades desportivas e de fitness mais populares [1,2]. No entanto, os declarados benefícios desta técnica têm sido inconclusivamente demonstrados. Ou seja, a maioria da investigação científica não tem corroborado as opiniões da crença popular (quer dos praticantes desportivos, quer dos seus treinadores; quer dos pacientes com patologias, quer dos seus terapeutas).
O objetivo deste artigo não é, de todo, denegrir a prática de alongamento, muito menos denegrir os que o defendem. O meu objetivo é apresentar uma alternativa mais eficaz e mais segura - e lá irei, mais à frente. Porém, uma introdução sobre o alongamento será necessária, porque alguns equívocos sobre este assunto ainda habitam a sociedade - quer na área desportiva e fitness, quer terapêutica.
ALONGAR NO AQUECIMENTO?
Se pensarmos desprovidos de senso comum, tendo em conta que todas as atividades de exercício físico (sejam desportivas ou de fitness) requerem produção de força, seria importante que nenhuma das componentes da preparação para o treino provocasse défices de força. Creio que esta afirmação é de senso comum.
Ora, o alongamento é uma técnica indutora de défices agudos de força (imediatamente após), que podem chegar aos 22%, independentemente da faixa etária, sexo, experiência de treino e da duração da intervenção [3-8]. Entretanto, para os que se perguntam se estes défices de força são assim tão significativos para que o desempenho desportivo fique afetado, a resposta é esta: o alongamento provoca défices significativos no desempenho desportivo, podendo ficar afetado até 24 horas [6,8-13].
O alongamento provoca perda de força e de desempenho.
Note-se ainda que os estudos em que me baseio não são meras intervenções isoladas. Muitos são revisões sistemáticas com populações vastas o suficiente para que, ao contrário do que alguns dizem (que ainda não há consenso científico), se possa vislumbrar já algum consenso.
Bem, entretanto, alguns profissionais defendem que, se o alongamento for do tipo "ativo", os efeitos negativos não se verificam. De facto, não se verificam. Mas, estas técnicas não são mais do que exercícios de força com o peso dos segmentos corporais - não são alongamento, por definição. Aliás, a descrição apresentada para o "alongamento ativo" que consta na literatura, é sinónima de movimento corporal voluntário, em que a força agonista se opõe à resistência (força externa) e só em consequência disso é que se dá o alongamento dos antagonistas [2,14,15]. Portanto, "alongamento ativo" é contração, não é alongamento, propriamente dito.
O alongamento NÃO deve anteceder a prática de exercício.
O ALONGAMENTO AJUDA A PREVENIR LESÕES?
Antes de mais, não existe literatura científica que tenha alguma vez comprovado a associação positiva entre menor incidência de lesão e a flexibilidade. No entanto, existe relação positiva com a força - e já lá irei. Para já, sejamos pragmáticos com os dados que aqui apresentei: sendo que a prática desportiva ou de fitness requer a produção de força, como será possível que uma atividade que diminui a força possa prevenir lesões?
A resposta já está largamente dada na literatura científica: o alongamento não previne lesões musculares [8,16,17]. Aliás, alertando agora os profissionais da medicina/terapia, isto não se trata somente de um não-efeito, já que o alongamento poderá provocar danos musculares, dor, dormência, inchaço e lesões cutâneas [18,19], bem como provoca inibição neuro-muscular cortico-espinal [4,20]. Além disto, esta inibição proprioceptiva, ao provocar um atraso na resposta muscular, pode induzir MAIOR probabilidade de lesão [21,22].
O alongamento NÃO previne lesão, antes pelo contrário, pode provocÁ-la.
O ALONGAMENTO GERA MAIS AMPLITUDE DE MOVIMENTO?
SIM! No que toca a este objetivo, muita literatura existe a favor do alongamento. Agora, outra pergunta levanta-se: poderá haver outra técnica de exercício que possa aumentar também a amplitude de movimento, SEM défice de força, SEM défices neurais e que POSSA PREVINIR lesões?
Hoje em dia já existe investigação sobre os efeitos do treino de força na amplitude de movimento. Neste sentido, é importante que todos os profissionais de saúde - sejam do desporto/fitness, ou medicina/terapia - estejam informados de que o estímulo crónico só com treino de força (em média 9 semanas), mesmo que só com as características tradicionalmente recomendadas [2] aumenta a amplitude de movimento (em média 29%), por vezes até com melhores resultados que o alongamento, independentemente da faixa etária, sexo e experiência de treino [23-30]. Mais, ao contrário do alongamento, o treino de força, desde que feito de determinado modo, não diminui o desempenho muscular. Antes pelo contrário, poderá ter um efeito agudo potenciador do desempenho [31,32]. Tudo isto, enquanto é, comprovadamente, o melhor recurso para a prevenção de lesões e auxiliar os atletas no seu desempenho desportivo [33].
Os exercícios de força aumentam a amplitude de movimento, previnem lesões e melhoram o desempenho.
Agora, deixarei à sua consideração acerca do que fazer... agora, que sabe as diferenças, a escolha é sua! Não tem de abandonar o alongamento, mas, no mínimo, adicione mais força.
© João C. Moscão, 2019
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REFERÊNCIAS:
[1] Bachman, R. - The Wall Street Journal. (2017). [2] American College of Sports Medicine (2018). [3] Rubini, E., Costa, A., e col. (2007). [4] McHugh, M., Cosgrave, C. (2010). [5] Kay, A., Blazevich, A. (2012). [6] Simic, L., Sarabon, N., e col. (2012). [7] Serra, A., Jr Silva, J., e col. (2013). [8] Behm, D., Blazevich, A., e col. (2016). [9] Nelson, A., Driscoll, N., e col. (2005). [10] Sayers, A., Farley, R., e col. (2008). [11] McHugh, M., Cosgrave, C. (2010). [12] Haddad, M., Dridi, A., e col. (2013). [13] Peck, E., Chomko, G., e col. (2014). [14] Heyward, V. (2006). [15] Opplert, J., Babault, N. (2017). [16] Herbert e Gabriel (2002). [17] Lauersen, J., Bertelsen, D., e col. (2013). [18] Bracko, M. (2002). [19] Harvey, L., Katalinic, O., e col. (2017). [20] Trajano, G., Nosaka, K., e col. (2017). [21] Waryasz, G., McDermott, A. (2008). [22] Minshull, C., Eston, R., e col. (2013). [23] Monteiro, W., Simão, R., e col.. (2008). [24] Santos, E., Rhea, M., e col. (2010). [25] Morton, S., Whitehead, J., e col. (2011). [26] Júnior, R., Leite, T., e col. (2011). [27] Souza, A., Bentes, C., e col. (2013). [28] Bastos, C., Vilaça-Alves, J., e col. (2013). [29] Saraiva, A., Reis, V., e col. (2014). [30] Leite, T., Costa, P., e col. (2017). [31] Jeffreys, I. (2008). [32] Wilson J., Duncan N., e col. (2013). [33] Suchomel, T., Nimphius, S., e col. (2016).
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