Osteoartrose (OA) é uma doença crónica multifatorial, caracterizada pela degeneração da estrutura e função dos tecidos peri articulares (1-4; 6; 11; 12; 24; 29; 30), de onde se ressalva a perda de cartilagem articular – a qual, apesar da sua estrutura virtualmente perene, como vimos no artigo “Osteoartrose e Exercício” (20), não o é. Este fenómeno degenerativo afeta principalmente as articulações do joelho, anca e mãos (1; 2; 11; 12; 17; 18; 28-30), sendo atualmente uma das maiores condicionantes de incapacidade física (1; 2; 4; 12; 17; 18; 23; 28-30).
Atualmente, a OA não tem cura, cingindo-se o “tratamento” à redução da dor e melhoria da função articular (1; 11; 12; 17; 24; 29), elevando o papel fundamental dos profissionais de fisioterapia (na melhoria/gestão da dor) e de exercício físico (na melhoria da função neuro musculo articular) como promotores de uma maior qualidade de vida desta doença silenciosa. De facto, quando se instala um quadro de dor, a OA já está num nível avançado (2; 3; 11), devido ao facto de a cartilagem articular ser desenervada e avascularizada (2-4; 15; 21). Para complicar ainda mais, existe uma baixa correlação entre evidência radiográfica e dor em pessoas que possuem OA – muitos dos que possuem a patologia confirmada radiologicamente são assintomáticas e vice-versa (2; 10; 12).
Biomecânica Articular
(Para este texto, irei referir-me apenas ao papel do profissional de exercício físico e, em especial, dos conhecimentos que os seus profissionais deverão ter ao nível da biomecânica)
Numa visão extremamente simplista e redutora, consideremos o corpo humano como um conjunto de alavancas/segmentos ósseos que se movem devido à ação de músculos, os quais são comandados por um SNC, de forma a oporem-se a forças internas e externas, provocando movimento nas nossas articulações, sendo a ciência responsável pelo seu estudo a Biomecânica.
Em termos de classificação de articulações, a Biomecânica considera 3 tipos de alavancas musculares: tipos 1, 2 e 3.
Antes de explorarmos as suas particularidades, importa antes clarificar 2 termos: vantagem e desvantagem mecânica (VM e DM). Quando temos um braço de momento interno ou muscular (BMI) maior do que um braço de momento externo (BME), afirmamos que existe VM; por sua vez, caso o BMI seja menor que o BME, estamos perante um cenário de DM (15; 21). Voltemos às alavancas (mantendo a visão simplista).
Nas articulações do tipo 1, temos forças a atuar de cada lado do eixo articular, atuando em direções lineares semelhantes, o que faz com que provoquem torques em direções opostas (21). Aqui, temos casos de VM, casos de DM e casos em que os BM são iguais, conforme a articulação em causa.
Articulações tipo 2 são raras no corpo humano e possuem 2 características: i) o eixo de rotação está numa ponta da alavanca óssea e ii) o BMI é sempre maior que o BME, o que faz com que operem em VM (21).
Já nas articulações do tipo 3 (onde se encaixa a grande maioria das articulações), temos exatamente o contrário das do tipo 2: o BME é sempre maior que o BMI, logo, estamos perante um cenário de DM (21).
O quadro 1 espelha uma visão gráfica de comparação das características dos tipos de articulações:
Assim, podemos constatar que a grande maioria das nossas articulações opera em DM, o que leva a que tenham de exercer níveis de força bastante elevados comparativamente aos notados na alavanca articular adjacente e que tal poderia significar ineficiência, mas, de facto, não poderia ser de outra forma, por 2 motivos (15; 21):
O sistema muscular está, de facto, preparado para exercer níveis de força elevados de forma a mover os segmentos ósseos acoplados (daí notarmos diferenças na estrutura muscular ao nível da forma, tamanho, ângulo de penação, enervação, etc.);
Apesar de terem de exercer níveis de força bastante elevados, se compararmos a velocidade e deslocamento angular, notamos que são bastante inferiores, face aos observados nas extremidades ósseas opostas correspondentes.
Relembrando o mecanismo de nutrição da cartilagem hialina, a mesma é feita por imbibição, ou seja, passivamente através de ciclos de compressão/descompressão (15;21). Consequentemente, terá de haver um equilíbrio neste ciclo, caso contrário a cartilagem deteriora-se – cargas excessivas ou cargas baixas (mas repetitivas) estão intimamente ligadas a um quadro emergente de OA, o mesmo acontecendo caso haja uma diminuição drástica de mobilidade, presente em casos de imobilização (acamamento ou gesso) ou sedentarismo (1; 5; 15; 21).
Agora, ressalta uma questão: como explicar a grande incidência de OA na população ativa, visto que temos cartilagens com uma resistência à compressão e fricção inigualável pela tecnologia humana e uma construção e constituição muscular preparadas para suportar forças elevadas? Talvez a Biomecânica tenha uma resposta.
Análise Vetorial
Antes de avançar, importa esclarecer outro conceito da Física utilizado na análise Biomecânica: a decomposição de forças. De facto, os nossos músculos permitem o movimento rotacional dos segmentos ósseos ao longo de um eixo articular, mas será que toda a força exercida, todos os Newtons que o músculo imprime irão promover essa mesma rotação? Não! De facto, importa aqui relembrar o Teorema de Pitágoras e inverter a sua utilização, de forma a decompor as forças que atuam no corpo nas suas componentes horizontal (Fx) e vertical (Fy), para perceber o que cada uma provoca (15; 21). Assim, a primeira ao ser traçada ao longo do segmento ósseo, é responsável por provocar compressão ou distração na articulação (dependendo da fase do movimento em si), enquanto a componente vertical será traçada perpendicularmente à Fx, sendo somente esta a responsável pela rotação propriamente dita, provocando fricção (15; 21) (Figura 1).
Fig. 1: decomposição da força muscular (Fms) nas suas componentes vertical (Fy) e horizontal (Fx).
Qual a utilidade deste conceito?
O facto de estarmos biologicamente preparados para exercer e suportar altos níveis de força, não elimina o facto de essas forças realmente se fazerem sentir. Tal como vimos, nem toda a força é rotacional, existindo uma componente que provoca distração ou compressão. Ora, se existe compressão e a maioria das articulações opera em DM, tal exige que a musculatura tenha de desenvolver níveis de força bastante altos, podendo as restantes estruturas peri articulares não estarem aptas para resistir às mesmas. Relativamente à rotação propriamente dita, o eixo articular altera-se ao longo do movimento, o que significa que não existirá rotação pura, mas sim uma mistura de roll (rolar), slide (deslizamento) e spin (rotação no eixo superior-inferior), levando a um aumento das forças de cisalhamento ou fricção (15; 21). Quem sofre com tudo isto são as estruturas peri articulares, especialmente a cartilagem articular (15; 21). Também Felson, no seu artigo “Osteoarthritis as a disease of mechanics” (2013), enalteceu a influência das questões mecânicas em termos de desenvolvimento de OA. Ao longo do seu texto, o autor expõe a relação causal entre alterações mecânicas anatómicas (congénitas ou adquiridas), excesso de carga (de forma aguda ou crónica – devido ao seu elevado ou baixo, mas repetitivo, impacto/intensidade), ou ambos e a incidência de OA.
Assim, e tal como Felson refere, poderá ser a (bio)mecânica a explicar o porquê da OA se ter tornado num verdadeiro flagelo ao nível da saúde mundial. Talvez seja por isso que, apesar de joelho e anca terem grande incidência de OA, o tornozelo não apresenta grandes casos (sendo os mesmos associados sobretudo a lesão traumática aguda), isto apesar de também receber as forças reativas do solo. Daqui inferimos que poderá ser devido ao facto de ser uma das poucas articulações do tipo 2 (logo, opera em VM), o principal motivo para que tal ocorrência seja diminuída.
O olhar para lá da causa aparente
De facto, várias são as causas apontadas como potenciadoras de originar OA, sendo as mais indigitadas pela literatura a idade, o IMC (excesso de peso/obesidade) e o sexo feminino (6; 11; 12; 24; 25; 28-30). Contudo, Hurley (1999) foi dos primeiros a sugerir que estes poderiam não ser os fatores primordiais no desenvolvimento de OA, mas sim a Fraqueza Muscular (FM) que, ao ser uma constante nestes grupos, contribuía para a instalação deste quadro clínico. Ou seja, a FM seria a causa primária de desenvolvimento de OA e não uma consequência da mesma (5; 12; 17; 22; 24; 26), sendo mesmo apontada como melhor preditor de OA do que evidência radiográfica ou dor (12; 24).
Uma breve analogia:
Imagine que tem na palma da mão um grão de areia (que representa a OA), se olhar para os seus pés e vir que eles estão enterrados, irá deduzir que está numa praia ou areal (o qual engloba os fatores de risco supracitados). Contudo, quando levanta a cabeça e olha à sua volta, repara que está no meio do deserto (o qual espelha a FM)! Ora, afirmar que está num areal não deixa de estar correto, mas, ao olhar mais além, irá ver a extensão do mesmo!
Assim, não afirmo que a idade, IMC e o sexo feminino não sejam fatores de risco para o desenvolvimento de OA ou que os mesmos sejam causas falsas, mas antes que estas poderão ser condições subsequentes/associadas a uma causa comum: a FM.
De volta à OA
De qualquer forma, o que se verifica é que só quando já existe uma deterioração da cartilagem é que se instala um quadro de dor e, na esmagadora maioria das vezes, só então se avalia radiologicamente a articulação em causa, ou seja, quando já nada se pode fazer para prevenir a doença, mas apenas gerir os seus sintomas (1; 11; 12; 17; 24; 29). Esse quadro de dor faz com que a pessoa em causa diminua a movimentação da zona afetada, aumentando ainda mais a FM (por atrofia e inibição) (1; 17) (Fig.2). Nas suas revisões, Roos (2011) e Bennell (2013) referem mesmo que menores níveis de força estarão relacionados com uma maior incidência de OA; enquanto que, após a implementação da mesma, será a inibição muscular causada pela dor (IMA – Inibição Muscular Artrogénica) a principal motivadora neste ciclo nefasto, sendo imperioso melhorar a resposta sensório-motora, algo que já havia sido sugerido por Hurley (1999).
Assim, seja causa ou consequência, o que é certo é que a FM está presente e é nela que o profissional do exercício físico tem de atuar. A forma de intervir neste ciclo será ao nível da redução da FM (fig. 3), onde a literatura aponta a eficácia do exercício físico na gestão/redução do quadro de dor, redução do stiffnessarticular e melhoria da função física (3; 6-9; 11-14; 16; 23; 24).
Será então o exercício físico a resposta para tudo? Fazer exercício será, só por si, um fator preventivo? Não é bem assim. Estudos reportam o reverso da medalha, ou seja, um aumento de OA em determinadas atividades laborais, físicas ou desportivas (6; 27; 28; 30). Contudo, aqui há que ressalvar que estes estudos assumem a existência de fatores que poderão influenciar esse desenvolvimento de OA, tais como a existência prévia (ou durante o estudo) de lesão, ou a quantidade (exagerada) de força, impacto/contacto na sua prática.
Concluindo, devemos realmente respeitar a natureza multifatorial da OA, sendo que o caminho a seguir não mais poderá ser do que o do estudo, avaliação, individualização, respeito e sensatez, o que eleva o papel do profissional de exercício físico (em geral) e do Personal Trainer (em particular). Assim, não se trata somente de ter “músculos mais fortes”, mas também garantir um melhor controlo sensório-motor, contabilizando as forças internas e externas a que somos sujeitos e mantendo sempre em mente que “fazer exercício não faz bem, fazer exercício bem é que faz bem” (19)!
© David Costa, 2020 - Certificado REP
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